Pioneira, tenista brasileira vai realizar sonho de disputar uma Surdolimpíada
Mariana Matias, 26, está prestes a se tornar a primeira tenista do país a participar da Deaflympics (Surdolimpíadas), maior evento mundial voltado aos atletas surdos. A 23ª edição dos Jogos, realizados de quatro em quatro anos, será de 18 a 30 de julho, em Samsun, na Turquia.
As primeiras raquetadas da jovem natural de Mogi das Cruzes (SP) foram aos dez anos. Com 15, ela participou de um projeto do ex-tenista Carlos Alberto Kirmayr em Serra Negra (SP), antes de seguir para o tênis universitário nos EUA. Uma grave lesão no ombro abreviou a temporada americana de Matias e alterou os seus planos de carreira.
De volta ao Brasil, ela cursou educação física em São Paulo e hoje trabalha com treinamento e desenvolvimento de pessoas em uma multinacional do setor químico.
O retorno às competições terá ares de novidade. Pela primeira vez, a tenista jogará contra atletas que, assim como ela, têm deficiência auditiva.
A paulista não escuta nada com o ouvido esquerdo e usa aparelho no ouvido direito para amplificar os sons. Nunca foi além do básico na língua de sinais, mas desde cedo aprendeu a fazer leitura labial e a falar.
Para isso, ela conta que as contribuições da irmã, três anos mais velha, e do irmão, três anos mais novo, foram cruciais: “Minha irmã me ensinava a falar. Às vezes meus pais não entendiam o que eu falava errado e ela entendia para me corrigir. Quando meu irmão começou a aprender a falar eu estava melhorando a minha fala, isso também ajudou”.
Além do conforto familiar, a prática esportiva fez com que Matias desenvolvesse habilidades para a vida. “Joguei esportes coletivos, mas tênis foi o que me capturou. Por ser individual, você tem que ter um psicológico mais forte. Jogar os torneios me incentivou muito na parte social. Hoje eu falo super bem, meu inglês é fluente e estou aprendendo espanhol”, afirma.
Segundo a tenista, a deficiência auditiva impôs desafios, mas nunca foi um fator que a limitou em quadra. Quando disputava torneios de base, em que vários jogos não contam com juízes fixos, a atenção precisava ser redobrada.
“Mesmo com o aparelho, não entendo algumas marcações do juiz se ele não fizer um sinal. Se estou jogando com alguém que não é deficiente auditivo, fico preocupada. De vez em quando a pessoa bate para cima e você não sabe se ainda está rolando o jogo ou não”, explica.
Ela desconhece o som produzido pelo impacto da rebatida da adversária, considerado fundamental pelos profissionais para antecipar movimentos. “Eu não tenho essa experiência, mas todo mundo fala que ajuda muito, então já fico em desvantagem”, diz.
Na Surdolimpíada-2017, os desafios de Matias serão outros. Ela tomou conhecimento da competição quando ainda treinava para ser profissional, mas na época não levou o objetivo adiante. Foi só recentemente que retomou o antigo sonho e procurou a CBDS (Confederação Brasileira de Desportos de Surdos), que a convocou.
Para jogar em igualdade de condições com as rivais, ela terá que tirar o aparelho. Além disso, precisará aprender as marcações em sinais feitas pelos juízes. “Está um pouco estranho ainda, o silêncio total incomoda, mas voltar a jogar tênis é a maior alegria. De igual para igual então, estou bem animada”, afirma.
PATROCÍNIO
A tenista conta com o patrocínio da empresa em que trabalha, a Dow Brasil, mas ainda busca apoios para bancar os custos de treinos e de material. Sem local para praticar com regularidade, ela gravou um vídeo para ajudar na divulgação.
A CBDS também procura interessados em contribuir com a delegação nacional, que podem entrar em contato pelo e-mail surdolimpiadas@cbds.org.br ou participar da vaquinha virtual no site Kickante.
A entidade afirma que não recebe repasses de verbas governamentais regulares, pois não faz parte do COB (Comitê Olímpico do Brasil) ou do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro). A estimativa da confederação é de que até 155 atletas possam representar o país na competição.
SURDOLIMPÍADAS
As Surdolimpíadas, principal competição esportiva para os atletas surdos, são realizadas desde 1924. No início, o nome do evento era Jogos Internacionais Silenciosos, depois passou a ser Jogos Mundiais Silenciosos, até ganhar a alcunha olímpica em 2000.
A primeira participação de uma delegação brasileira ocorreu em 1993. Em 2001, o tenista Carlos Alexandre Pucheu, do Rio de Janeiro, foi o primeiro homem a representar o Brasil na modalidade.
Podem participar das disputas atletas com perda bilateral a partir de 55dB.
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