Temporada atípica coloca técnicos da elite do tênis em evidência

DANIEL E. DE CASTRO

Eles são alvo corriqueiro das câmeras de TV no intervalo dos pontos, mas costumam manter a discrição. Atualmente, porém, não há óculos escuros ou boné que os tirem do foco. Em um ano atípico na elite do tênis, o trabalho dos treinadores tornou-se mais presente no noticiário sobre o esporte.

Em janeiro, a nítida melhora do backhand de Roger Federer após ele retornar de lesão foi atribuída em grande parte ao ex-atleta croata Ivan Ljubicic, amigo e hoje técnico do suíço.

No mês seguinte veio o anúncio de que Toni Nadal deixará de treinar o sobrinho, Rafael, ao fim desta temporada. Ele interromperá a parceria que vem desde a infância do tenista espanhol para se dedicar à academia da família em Maiorca. O decacampeão de Roland Garros seguirá com o ex-jogador Carlos Moyá.

Toni Nadal e Rafael Nadal com o troféu de Roland Garros (Christian Hartmann – 11.jun.2017/Reuters)

O episódio mais radical, no entanto, foi protagonizado por Novak Djokovic. Em maio, ele demitiu toda a sua equipe, comandada por Marian Vajda, após 11 anos de parceria. No torneio de Wimbledon, que começa nesta segunda (3), o sérvio repetirá Roland Garros e terá a orientação de Andre Agassi, novato no cargo. O anúncio surpreendeu, já que o americano não estava presente no circuito nos últimos anos.

Os casos citados levam a uma questão: alguém ainda tem o que ensinar a atletas desse nível? Rodrigo Nascimento, um dos responsáveis pela academia R&B Tennis Team, na Flórida (EUA), defende que sim.

“Uma vez o Sven [Groeneveld, atual técnico de Maria Sharapova] me falou que todo treinador é substituível. Eu disse: ‘não estou de acordo com você, alguns não são’”, afirma o brasileiro, que já trabalhou com nomes como a americana Monica Seles e o luxemburguês Gilles Muller.

“A diferença é que os jogadores top confiam. Eles têm boa visão de quem pode ajudar e de quem não pode. Aí escolhem corretamente e não precisam ficar mudando igual todo mundo fica, como no futebol”, completa Nascimento.

Para Leo Azevedo, coordenador técnico da academia BTT, em Barcelona, a intervenção é cirúrgica. “Eu credito ao treinador, no tênis de alto nível, 10% de importância. O detalhe é que nesse nível 10% é muito”, diz.

Ele acaba de deixar a USTA (Associação de Tênis dos EUA), onde atuou ao lado de Ivan Lendl. O tcheco naturalizado americano, que trabalha com o britânico Andy Murray, é um dos chamados “supertécnicos” do circuito. O apelido é dado para aqueles que foram atletas da elite e que hoje acompanham tenistas em momentos pontuais da temporada.

Na opinião de Azevedo, mesmo sem estar presente na maior parte do tempo, Lendl é peça-chave para o desempenho do número um do mundo.

“Mentalmente, ele contribui muito para o Murray, além de ser um estudioso dos seus rivais. O importante, nos casos em que o jogador tem mais de um técnico, é que a mensagem seja a mesma e que alguém seja o responsável por passá-la”, afirma.

O português Antonio Van Grichen, que entre outros nomes já treinou a bielorussa Victoria Azarenka, acredita que poder falar de igual para igual é a principal vantagem desses profissionais.

“Eles podem fazer a diferença só para jogadores que estão no topo, porque já passaram por momentos como finais de Grand Slam, onde existe muita pressão e ansiedade. É mais fácil de se identificar”, diz.

O mais importante, segundo Nascimento, é não deixar que a badalação e a vaidade tomem conta da relação. “Eu falo para o meu jogador o seguinte: tu ganhas, tu ganhas. Tu perdes, eu perco. O trabalho do treinador não é aparecer, é fazer o jogador ganhar”, afirma.

Ivan Lendl conversa com Andy Murray durante treino antes de Roland Garros (Benoit Tessier – 26.mai.2017/Reuters)