‘A Guerra dos Sexos’ lembra que ter voz no esporte é raro, corajoso e fundamental

Poucos atletas levam para fora das suas arenas esportivas a excelência com a qual atuam dentro delas. No tênis, felizmente, não faltam exemplos de ótimos jogadores que tornaram-se relevantes também pelo que pensam, falam e fazem sem a raquete em mãos (irmãs Williams, Arthur Ashe, Andy Murray e por aí vai).

O filme “A Guerra dos Sexos”, que estreou no país na última semana (leia a crítica de Naief Haddad), presta homenagem a uma dessas tenistas, ou melhor, à mais importante de todas: Billie Jean King. A americana, hoje com 73 anos, revolucionou o esporte feminino no início dos anos 1970 ao lutar por premiações iguais para homens e mulheres.

O episódio mais conhecido dessa trajetória é a batalha que dá nome à obra dos diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris. Em 1973, Billie Jean, interpretada por Emma Stone, aceitou disputar uma partida contra o aposentado Bobby Riggs (Steve Carell) e o derrotou por 3 sets a 0.

Na época, a americana era uma das principais tenistas do mundo, ao lado da australiana Margaret Court, e a mais ativa na defesa da igualdade de gênero no esporte. A vencedora de 39 Grand Slams fez muito mais que participar do midiático embate, no qual Riggs supostamente queria provar que os homens eram superiores às mulheres e mereciam uma fatia maior do bolo —na verdade, o principal objetivo dele era ganhar dinheiro com publicidade, mas impressiona como o discurso machista ganhou defensores ferrenhos e admiradores.

Emma Stone e Billie Jean King durante o lançamento do filme em Londres
Emma Stone e Billie Jean King durante o lançamento do filme em Londres (Vianney Le Caer – 7.out.2017/Associated Press)

O filme tem o mérito de ir além e mostrar algumas das ações importantes de Billie Jean, como o corajoso boicote que ela e outras oito tenistas impuseram a um torneio que pagaria oito vezes mais à categoria masculina. Comandadas pela agente Gladys Heldman, elas criaram um circuito paralelo, que mais tarde se tornaria a WTA e passaria a ser a principal entidade do tênis feminino.

A dissidência colocou em risco a carreira dessas jogadoras, principalmente a de Billie Jean, que era o principal rosto do movimento. Sobre o duelo contra Riggs, ela disse mais tarde: “Pensei que voltaríamos 50 anos atrás se eu não ganhasse essa partida. Isso estragaria a turnê feminina e afetaria a autoestima das mulheres”.

Quantos atletas fariam algo semelhante hoje? A julgar por casos recentes, é possível dizer que poucos. Diante da escancarada corrupção no futebol brasileiro e mundial, quantos jogadores usaram o poder que têm junto à torcida e aos seus clubes para promover mudanças?

O Bom Senso, movimento que parecia romper a inércia, ficou pelo caminho. O principal dirigente esportivo do país foi preso, a Olimpíada do Rio ficará marcada pelos escândalos e pelo calote. Mesmo assim, poucos se posicionam com contundência.

A apatia não é exclusividade brasileira. São mesmo raros os casos de estrelas que saem das suas posições cômodas para deixar marcas profundas no esporte. Na maioria dos casos, o máximo que se vê sobre elas fora das quadras (dos campos, das pistas etc.) são fotos para bombar no Instagram.

Embora eu seja da escola do tio Ben e acredite que com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, ninguém é obrigado a se posicionar ou dar a cara a tapa. Os poucos que o fazem, porém, merecem ser reverenciados. Billie Jean King foi uma dessas exceções, e conhecer a sua história vale a ida ao cinema.

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